Fala aí galera. Segue coluna publicada hoje (17/07/09) na Folha de SãoPaulo, do grande Carlos Heitor Cony.
CARLOS HEITOR CONYNoites de junho, noites de outrora--------------------------------------------------------------------------------
Todos dormiam, menos eu, vigiando o céu, esperando que um balão viesse a cair--------------------------------------------------------------------------------
JUNHO ACABOU e eu nem sofri com isso. Sei que em alguns lugares asfestas ainda teimam em sobreviver, mais por vício de calendário epesquisa mercadológica do que por necessidade.Considero obscena a decoração que as lojas comerciais promovem em nomede uma tradição que não mais existe, as bandeirinhas de papel fino, osbalões armados com arame e plástico, as fogueiras de mentirinha,movidas a ventilador. No adro de algumas igrejas, também há movimento,mas sem empolgação, o lucro das barraquinhas mudará as telhasquebradas dos templos, alguns deles aos pedaços.Não sei como as coisas se passam em outros sítios. Aqui, no Rio, é umacalamidade. Os jardins de infância faturam por fora em nome dos santosjuninos, e os pais são obrigados a gastar os tubos com fantasiascaipiras que as crianças acabam vestindo sem entender e sem amar. Atéo presidente da República bota na cabeça um chapéu de palha emfrangalhos e convida os ministros para um quentão oficial geralmentesubstituído por um uísque de 12 anos.Da antiga e bonita tradição das festas de Santo Antônio e São João nãosobrou nada, apenas a referência no calendário e a advertência anualdas autoridades a respeito de balões e fogos.Pois foi por aí que a festa acabou. Reconheço os motivos que obrigaramo governo, em seus diferentes níveis, a proibir balões. Mas que diabo,na minha infância, o céu ficava "pintadinho de balão" -como lembra amarchinha junina de Assis Valente. As casas eram mais frágeis, maisespaçadas, havia matagais em abundância na paisagem e mesmo assim osincêndios eram poucos.Que me lembre, nunca vi incêndio provocado por balão, embora meu pai,nos anos de minha infância, fosse famoso baloeiro entre os baloeirosmais famosos. Foi talvez a única arte em que se distinguiu -nas demaisfoi um desastre.Os preparativos começavam no início de maio, resmas de papel finosueco -era o melhor e o mais resistente, de cores mais cintilantes eduradouras. Os balões se amontoavam pelas salas e quartos, penduradosem varas, em ganchos, em cima dos armários, deles saía um cheiro dacola de farinha de trigo e do papel importado. Ali eles aguardavam anoite mágica em que subiriam ao céu.Murchos, coloridos e disformes, pareciam monstruosas fantasias depalhaços, sem alma, sem chama, à espera do momento em que entrariam emcena, no imenso espaço da noite de junho.Mas dia 13 (Santo Antonio) ou dia 24 (São João), eles se erguiam,iluminados, varando o espaço majestosamente, enquanto aqui embaixoficávamos, ao redor da fogueira, olhando atônitos aquela beleza quesubia, frágil e poderosa. Eram enormes os balões, e belos.Lá distante, da sala onde funcionava a primeira radiovitrola que meupai comprara na Casa Édison, provavelmente a prazo, vinha a marchinhade Assis Valente na voz de Carlos Galhardo: "Cai, cai balão / nãodeixa o vento te levar / quem sobe muito / cai depressa sem voar/ e aventania / de tua queda vai zombar / cai, cai balão / não deixa ovento te levar".Mas os ventos levavam os balões e eles sumiam na imensa enseada danoite. Mais um pouco e as fogueiras ficavam reduzidas a cinzas, ondese assavam batatas doces e roletes de cana. Enquanto isso, os balõesainda voavam pela madrugada, silenciosos, as buchas apagadas. ManuelBandeira tem versos pungentes sobre os balões apagados das madrugadas,no poema que foi o primeiro que entendi e amei. ("Profundamente").Vivi a mesma experiência: acordava no meio da noite e pensava em todosos que estavam dormindo, profundamente, e de repente um balão apagadopassava em silêncio pela minha janela, vindo de longe, cansado, semglória, cumprindo o seu destino de balão. Todos estavam dormindo,menos eu, vigiando o céu, esperando que um deles viesse a cair emnosso quintal. Alvoroçado, acordava o pai e íamos juntos e orgulhososapanhar a dádiva que o céu nos mandara.Pois é. As fogueiras acabaram mesmo. As noites de junho eram as maisfrias do ano. E as festas também estão acabando. Mas não posso deixarde lembrar os balões que nunca me libertaram de seu legado detristeza, mansidão e fragilidade.Sobre o autor:Cony trabalha na imprensa desde 1952, inicialmente no Jornal doBrasil, mais tarde no Correio da Manhã, do qual foi redator, cronistae editor. Depois de várias prisões políticas durante a ditaduramilitar e de um período no exterior, entrou para o grupo Manchete, noqual lançou a revista Ele e Ela e dirigiu as revistas Desfile eFatos&Fotos. Atualmente, é colunista da Folha de S.Paulo, comentaristada rádio CBN e da Band News. Como diretor da teledramaturgia da RedeManchete, apresentou os projetos e as sinopses das novelas “A Marquesade Santos”, “Dona Beija” e “Kananga do Japão”. Em 1998, o governofrancês, no Salão do Livro, em Paris, condecorou-o com a L'Ordre desArts et des Lettres. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letrasem março de 2000. “O Ventre” romance de estréia de Cony fez em 2008cinquenta anos.É membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo. Escreve na Página2 da Folha de S.Paulo terça, quinta e domingo. E na Folha Ilustradatoda a sexta-feira. Essas crônicas são reproduzidas em diversosjornais do país.Galera, vamos parabenizar a Folha, maior jornal do país, uma empresado Grupo UOL. Vamos defender a coluna e mostrar nossa força.
Sim à Regulamentação, Não à Proibição.
Carlos Navarro
domingo, 19 de julho de 2009
COLUNA SHOWWW !!!
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Um comentário:
Parabens ao belo tema de sua coluna na sexta,coluna que ao se desdobrar,se mostrou um pouco de tudo,poetica,melâncolica e muito sarcas quando referindo-se a midia e policos,parabens,sem medo de ser feliz....
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